[RESENHA] Manual da paixão solitária - Moacyr Scliar
MANUAL DA PAIXÃO SOLITÁRIA – MOACYR SCLIAR
O primeiro filho de Judá, Er, casa-se com Tamar. Como não a engravida, é castigado por Deus com a morte. De acordo com a tradição, compete ao segundo filho, Onan, assumir o papel do falecido; Onan se recusa a cumprir sua missão por considerá-la humilhante, optando por derramar seu sêmen sobre a terra para que a esposa não conceba herdeiros - e Deus também o pune com a morte. Resta Shelá, que o pai não quer entregar a Tamar por temer que o rapaz tenha o mesmo destino dos irmãos. Desqualificada e privada de filhos, Tamar recorre a um ardil que se tornaria lendário e que, recontado aqui na chave do humor, torna-se inesquecível.
Moacyr
Scliar não é meu autor preferido, mas eu tenho uma queda por livros baseados
nas estórias da bíblia e os do Moacyr Scliar são de primeira.
O Manual da
Paixão Solitária, é um livro que recria uma das estórias da bíblia de forma
divertida e quase poética na minha humilde opinião. Sou uma fã de adaptações
bíblicas e se alguém tiver dicas comentem e me mandem sugestões.
O livro
inicialmente é narrado por pergaminhos deixados por Shelá, que se apaixona pela
cunhada, e depois de ver seus dois irmãos morrerem após o casamento, apesar de
toda a tristeza, vê na perda a oportunidade de casar com Tamar. Eu simplesmente
adorei esse personagem, ele é romântico, filosófico e engraçado ao mesmo tempo.
E o livro traz umas passagens tão bonitas escritas por ele.
“Um dia – ou uma noite, de
preferência uma noite, a noite é mais propícia para a gente como nós e para a
evocação da memória que deixamos – alguém lembrará de mim. Quando isso
acontecerá, não sei. Daqui há muito tempo, acho. Séculos, milênios, quem sabe.
A entidade que sou – pobre entidade, modesta entidade, lamentável entidade –
terá desaparecido. Estarei reduzido a diminutas partículas que ventos e águas
disseminarão pelo mundo. Uma partícula fará parte de uma pedra, outra estará na
casca de uma fruta, outra na córnea de um leão, no pêlo de uma raposa, no osso
de um ser humano.” Página 12
A partir daí, o pai lhe nega Tamar, por medo que Shelá
sofra o mesmo destino do irmão e acabe morto. Tamar, que deseja mais do que
tudo ter filhos, se sente humilhada diante da
negativa do sogro em entregar Shelá em casamento. Tamar, que é mulher,
então dotada de sagacidade, apronta uma cilada que resolve seu problema, mas
deixa Shelá desapontado.
“O que eu faria, contudo, seria
coisa bem diferente. Escreveria um relato na primeira pessoa. Eu: pronome que
procuramos, a todo custo, evitar. Ao longo do tempo as histórias do nosso povo
haviam sido confiadas a pergaminhos por anônimos escritores que jamais
admitiriam colocar o próprio nome no texto; assumiam o papel de um neutro
narrador, falando na terceira pessoa. E não poderia ser de outra maneira. Poderia,
a nossa história, ser narrada pelos protagonistas? O que, por exemplo, diria
Adão a respeito da Queda? “Tudo que a gente quis foi experimentar uma fruta que
não conhecíamos e esclarecer as bobagens que a serpente nos dizia.” Caim:
“Ofereci frutos ao Senhor e ele não aceitou, não sei por que, preferiu os
cordeirinhos do Abel, que ficou todo bobo, a tal ponto que me irritei e num
acesso de fúria matei o cara. Se Deus tivesse me dado bola, a história seria
diferente. Eu não sou culpado”. O pronome pessoal num texto sagrado?
Abominação, pura abominação, pecado digno de ser castigado com a morte por
apedrejamento. Coisa que nossos antepassados não admitiriam. Nossa vida girava em torno do “nós”: a
família, o clã.” Página 45
Então a
estória muda de narrador, e Tamar conta seu ponto de vista de todo infortúnio
a que foi submetida. Admito que Shelá
narrou com mais paixão, na minha opinião.
Sobre o
final da estória, como o livro é baseado na bíblia, o final não foge do roteiro
original, a diferença é que o autor da sentimentos e voz aos personagens, ao
invés de simplesmente narra-los como faz a bíblia, então admito não curti muito
o final da estória. Apesar de ser um livro principalmente engraçado, não
esperava um final triste. Mas ainda sim recomendo a leitura, o livro é
delicioso e só 216 páginas, a leitura é leve e muito rápida.
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